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A obrigação de não-reconhecimento de um ato
ilícito internacional no caso Palestina v. Estados
Unidos da América na Corte Internacional
de Justiça

The Obligation of Non-Recognition of an Illicit International Act in Palestine vs. the United States
of America at the International Court of Justice

L’obligation de non-reconnaissance d’un acte international illicite en Palestine c. Les Etats-Unis
D’amérique à la Cour Internationale de Justice

Rodrigo Machado Franco*

Sumário: I. Introdução. II. A natureza e a formulação da obrigação de não-reconhecimento nos Artigos sobre Responsabilidade Internacional da CDI. III. A obrigação de não-reconhecimento na jurisprudência da CIJ. IV. A aplicabilidade da obrigação de não reconhecimento ao caso Palestina v. Estados Unidos. V. Conclusão. VI. Bibliografia.

Resumo: O presente artigo tem como objetivo debater a pertinência de se aviltar uma violação à obrigação de não-reconhecimento de atos ilícitos internacionais na análise de mérito do caso Palestina v. Estados Unidos da América (EUA) na Corte Internacional de Justiça. O trabalho defenderá a hipótese de que há pertinência em se notar tal violação e, para tanto, dedicar-se-á a analisar a natureza da obrigação em questão conforme expressa nos Artigos sobre Responsabilidade dos Estados da Comissão de Direito Internacional da ONU, a jurisprudência contenciosa e consultiva da Corte Internacional de Justiça dedicada ao tema e, por fim, a prática dos Estados e as resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas pertinentes ao caso. À conclusão caberá reafirmar os argumentos expostos no texto e a hipótese por ele sustentada.

Palavras-chave: responsabilidade dos Estados; Corte Internacional de Justiça; obrigação de não-reconhecimento; Palestina, Estados Unidos da América.

Abstract: The purpose of this article is to discuss the pertinence of debunking a violation of the obligation to not recognize international illegal acts in Palestine v. United States of America (USA) at the International Court of Justice. The work will defend the hypothesis that it is pertinent to notice such a violation and, for that purpose, it will dedicate itself to analyze the nature of the obligation in question as expressed in the International Law Commission Articles on the Responsibility of States, the contentious and consultative jurisprudence of the International Court of Justice dedicated to the topic and, finally, the practice of States and as resolutions of the United Nations Security Council applicable to the case. The conclusion should restate the arguments ex-postulated in the text and the hypothesis supported by them.

Key words: State responsibility; International Court of Justice; obligation of non-recognition; Palestine, United States of America.

Résumé: Le but de cet article est de discuter de la pertinence de s’affirmer une violation de l’obligation de ne pas reconnaître les actes illégaux internationaux en Palestine c. États-Unis d’Amérique devant la Cour internationale de justice. L’article défendra l’hypothèse qu’il est pertinent de constater une telle violation et, à cette fin, il se consacrera à analyser la nature de l’obligation en question telle qu’exprimée dans les Articles de la Commission du droit international sur la responsabilité des États, la jurisprudence contentieuse et consultative de la Cour internationale de justice consacrée au sujet et, enfin, à la pratique des États et les résolutions du Conseil de sécurité des Nations Unies applicables à l’affaire. La conclusion doit reprendre les arguments ex-postulés dans le texte et l’hypothèse qu’ils soutiennent.

Mots-clés: responsabilité de l’état; Cour Internationale de Justice; obligation de non-reconnaissance ; Palestine, États-Unis d’Amérique.

I. Introdução

Em 6 de dezembro de 2017, o Presidente dos Estados Unidos da América (EUA) emitiu uma declaração unilateral reconhecendo Jerusalém como capital de Israel.1 A declaração enfatizava que a política externa dos Estados Unidos era resultado de uma observação realista e pragmática de fatos políticos e que a condição de Jerusalém como capital de Israel tratava-se, justamente, de um fato.2 A Casa Branca afirmou que “o Estado de Israel fez de Jerusalém sua capital - a capital do povo judeu estabelecida desde os tempos antigos”3 e que, por esse motivo, transferiria a embaixada norteamericana —até então instalada em Tel Aviv— para aquela cidade. O despacho provocou reação subsequente: em setembro de 2018, a Palestina recorreu à Corte Internacional de Justiça (‘CIJ’ ou ‘Corte’), alegando que a realocação da missão diplomática dos EUA —concluída em maio de 2018— constituía, por si só, uma violação do artigo 3o. da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas (CVRD).4

Embora a Palestina tenha se limitado, em sua petição à Corte, a mencionar a violação do artigo 3o. da CVRD como fundamento para sua queixa, uma segunda obrigação parece estar envolvida: a declaração dos EUA poderia expressar, em hipótese, o reconhecimento de uma situação gerada e mantida graças a um ato ilícito internacional perpetrado por um Estado. A transferência da embaixada poderia ser compreendida como um reconhecimento dos direitos territoriais israelenses sobre toda a cidade de Jerusalém —inclusive sua metade oriental. Tal atitude seria considerada em contraste com a regra costumeira de não-reconhecimento expressa no Artigo 41 (2) dos Artigos sobre Responsabilidade Internacional (DARS) da Comissão de Direito Internacional da ONU (CDI) uma vez que demonstraria a disposição de um Estado-terceiro de engajar-se em relações diplomáticas com Israel naquele território à revelia da violação de uma norma peremptória. Este trabalho tem como objetivo considerar a pertinência da violação da obrigação de não-reconhecimento enquanto passível de ser incorporada ao julgamento pela Corte em eventual análise do mérito do caso.

Em que pese a ausência de qualquer menção à obrigação de não-reconhecimento na petição palestina, aquela já foi apontada por Estados em seus pronunciamentos no Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) e na Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU) bem como em resoluções de ambos os foros sobre o conflito israelo-palestino. Entretanto, ainda não há consenso quanto ao fato de que a declaração bastaria para configurar o reconhecimento acusado, bem como há críticas as quais notam uma tentativa de se exigir da Corte uma sentença ultra petita caso aquela optasse por adjudicar sobre a obrigação. Logo, o trabalho propõe uma análise da natureza e do conteúdo da obrigação, bem como das circunstâncias particulares ao caso, para reconhecer nele a pertinência de se aviltar a violação de uma suposta obrigação de não-reconhecimento. A tal análise serão dedicadas as seções seguintes.

Para tanto, o artigo examinará, em uma primeira seção, a natureza da obrigação de não-reconhecimento tal qual expressa nos Artigos produzidos pela Comissão de Direito Internacional (CDI) de 2001. Em seguida, considerará a jurisprudência contenciosa e consultiva da CIJ na qual a obrigação de não-reconhecimento foi notada, de modo a compreender o papel da Corte na formulação do seu conteúdo e de sua execução. Em uma terceira seção, tendo em vista os fundamentos apresentados pelas divisões anteriores, ponderará sobre a relevância de se notar uma possível violação da obrigação de não-reconhecimento no caso Palestina v. Estados Unidos.

A hipótese defendida é a de que há pertinência em se notar uma possível obrigação de não-reconhecimento adjacente à queixa apresentada pela Palestina, majoritariamente em função de três fatores: i) seria impossível responder à demanda palestina sem adjudicar sobre os direitos territoriais de Israel, o que poderia conduzir a interpretar a transferência da embaixada como um ato de expressão de reconhecimento; ii) as resoluções do CSNU apontam para a confirmação de um estado de ilegalidade no que concerne à presença de Israel sobre o território no qual está instalada a embaixada, o que conduziria ao mesmo resultado da afirmação anterior; iii) a obrigação de não-reconhecimento nesse caso, tal qual definida na jurisprudência da Corte, decorreria de uma situação mantida graças à violação da autodeterminação e da integridade territorial palestinas, possuindo natureza costumeira. Além disso, a prática anterior do CSNU e da própria CIJ apontam para o fato de que a obrigação também estende-se aos atos que possam veicular o reconhecimento de uma dada situação —e.g. o estabelecimento de relações diplomáticas.

Embora o presente artigo limite-se a investigar o mérito do caso Palestina v. EUA —pressupondo hipoteticamente a superação das objeções preliminares— deve-se notar os obstáculos para que a Corte exerça sua jurisdição. Três óbices parecem ser evidentes: i) o título territorial disputado sobre a cidade de Jerusalém;5 ii) a condição da Palestina enquanto Estado6 e iii) a objeção quanto à possível adjudicação de direitos de titularidade alheia às partes —i.e. os títulos territoriais de Israel— cuja adjudicação fica proibida pelo chamado princípio Monetary Gold e pelo próprio Estatuto da CIJ.7 As três objeções, contudo, exigem um exame de aspectos processuais que extrapolaria o escopo deste trabalho —sendo imprescindível notar que as objeções, cada uma à sua maneira, apresentam dificuldades notáveis para que o caso avance à etapa de mérito.

II. A natureza e a formulação da obrigação
de não-reconhecimento nos Artigos sobre Responsabilidade Internacional da cdi.

Em 2001 a Assembleia Geral da ONU tomou nota do conjunto de artigos produzidos pela CDI sobre responsabilidade dos Estados. Embora inicialmente orientado por uma concepção bilateral de responsabilidade, o projeto converteu-se definitivamente em direção a um tom comunitarista a partir da ascensão de Roberto Ago à posição de rapporteur na década de 1970.8 A percepção já vinha presente no entendimento de Ago, o qual concebia a responsabilidade como uma ficção jurídica ‘objetiva’ e não ‘intersubjetiva’,9 de modo a permitir a existência de uma comunidade de Estados juridicamente regulada, e não somente um rol de obrigações sinalagmáticas devidas pelos Estados entre si. A alteração sutil operada por Ago provocou consequências notáveis —e. g. a distinção entre o conceito de ‘crime internacional’ e ‘delito internacional’.10 Embora o termo ‘crime’ não tenha sido mantido no projeto apresentado à AGNU em 2001,11 o conceito permaneceu inscrito no Capítulo III daquele sob o título de ‘sérias violações de obrigações advindas de normas peremptórias do Direito Internacional geral’ as quais incitariam oponibilidade erga omnes.12

É o artigo 41 do capítulo III dos DARS o qual guarda maior correlação com o caso Palestina v. Estados Unidos. Em seus dois primeiros parágrafos, o artigo estipula duas consequências das violações de normas peremptórias, atribuíveis a todos os Estados: (i) o dever de cooperar para levar ao fim a situação criada pela violação (obrigação de cooperação)13 e (ii) o dever de não reconhecer como legal uma situação gerada pela violação, bem como de não oferecer assistência ou suporte capaz de perpetuá-la (obrigação de não-reconhecimento).14 Ambas as disposições foram inseridas ao projeto de artigos apenas em 1982.15

A obrigação exortada no parágrafo 2o. expressa um dever objetivo de não-reconhecimento não apenas do ato violador, mas igualmente da situação produzida em sua decorrência —o exemplo arquetípico, segundo Crawford, é a ocupação de um território como consequência do uso ilegal da força e da não-observância do direito à autodeterminação.16 Além disso, proíbe os Estados de oferecem assistência ou suporte capaz de perpetuar a situação —dever que, por sua vez, perdura enquanto durarem os efeitos do ato violador.17 As formas como o não-reconhecimento e a recusa à assistência podem se dar não são estipuladas pelos Artigos, e casos concretos revelam desde uma recusa a travar relações diplomáticas até sanções econômicas coordenadas por organizações regionais ou pela própria ONU.18

Embora a formulação da obrigação de não-reconhecimento apontada no artigo 41(2) seja bastante clara, resta o questionamento em relação à sua generalidade, isto é, sua natureza costumeira. A autoridade19 dos DARS é amplamente notada por cortes e tribunais internacionais, mas dispositivos específicos ainda suscitam dúvidas quanto a sua normatividade —o artigo 41(2) entre eles.20 Logo, a única maneira de se demonstrar a autoridade de obrigações específicas dos DARS é verificar se aquelas refletem o costume internacional, uma vez que aqueles não foram transformados em uma convenção multilateral capaz de produzir obrigações convencionais aos Estados. Em que pese a incerteza em relação à natureza costumeira de outros dispositivos dos Artigos (notadamente, os dedicados ao tema das contramedidas) é custoso argumentar contra a generalidade da obrigação de não-reconhecimento, especialmente na circunstância de uma ocupação territorial via uso ilegal da força.21 Isso se dá em função dos fatores a seguir apresentados.

Em primeiro lugar, a obrigação de não-reconhecimento compõe o rol de princípios estipulados na Declaração de Princípios do Direito Internacional (1970), a qual, segundo a CIJ no caso Nicaragua,22 reflete o costume internacional em sua totalidade. Alguns críticos, no entanto, colocam em xeque o posicionamento da Corte —em virtude da extensão da Declaração e da diversidade de obrigações nela presentes— embora o contexto do caso Nicaragua reforce a tese de que o dever de não-reconhecimento insurge em situações de uso ilegal da força e suas consequências.23

Em segundo lugar, a mesma Corte, em 2004, expediu uma Opinião Consultiva requerida pela AGNU relativa à legalidade da construção de um muro em territórios palestinos ocupados por Israel, e nela asseverou que a proibição de aquisição de territórios por ameaça ou pelo uso da força tratava-se de uma norma costumeira.24 Trata-se de uma disposição especialmente notável, pois está inserida em contexto semelhante ao caso Palestina v. Estados Unidos. Nesse caso, a objeção dirige-se ao fato de que a Corte não mencionou diretamente o artigo 41(2) dos DARS, embora tenha optado pelo mesmo enunciado daquele, ipsis litteris.25

Enfim, o rapporteur especial James Crawford, em seus comentários aos DARS, afirmou que a obrigação de não-reconhecimento de violações de normas peremptórias provavelmente refletiria o costume internacional.26 Nesse caso, é preciso levar em consideração o fato de que os comentários foram emitidos antes da Opinião Consultiva de 2004, isto é, antes da Corte afirmar que a obrigação compunha o costume internacional.

Quanto às objeções referentes à formulação e ao conteúdo do dever de não-reconhecimento conforme disposto no DARS, ao menos três são notáveis. Em primeiro lugar, não é taxativa a afirmação de que o dever de não-reconhecer seria auto executório, uma vez que a CDI não estipulou em quais condições aquele poderia insurgir. Durante o período de debates do 6o. Comitê da AGNU sobre o anteprojeto dos DARS, em 2001, alguns Estados27 manifestaram-se em favor do entendimento contrário, ou seja, em prol de que uma determinação de um ‘órgão de segurança coletiva’ (i.e. o Conselho de Segurança) seria necessária para que se verificasse a execução da obrigação —a qual não seria oponível aos Estados na ausência daquela, de modo que estes estariam livres para reconhecer ou não a situação gerada pela violação em conformidade com a sua interpretação dos fatos—,28 restando apenas o dever de recusa à assistência no sentido de perpetuar a situação pretensamente ilegal.

Em segundo lugar, restam questionamentos relativos à formulação do dever de não-reconhecimento, conforme expresso nos DARS. Alguns o compreendem como uma consequência do princípio ex injuria jus non oritur, ao evitar que Estados-terceiros se beneficiassem de uma situação gerada e mantida à revelia de uma violação do Direito Internacional’. Por outro lado, o não-reconhecimento pode também provocar a nulidade do ato violador e seus efeitos, bem como das obrigações e direitos contraídos por terceiros cujo objeto estivesse imediatamente conexo à situação pelo ato produzida. Enfim, a obrigação pode também impor aos Estados-terceiros o dever de não reconhecer a situação em qualquer hipótese, sem, contudo alegar a nulidade dos atos geradores.29 Essa última hipótese, segundo Pert, comportaria duas interpretações distintas (particulares à hipótese de uma violação que conduziu à anexação territorial): por um lado, o dever implicaria a obrigação de não-reconhecer integralmente a soberania do Estado infrator sobre o território apreendido. Por outro, o reconhecimento da aquisição territorial ou situação como lícita exigiria “uma distinção entre o reconhecimento da legalidade da situação (de jure) e o reconhecimento, ou aceitação, da realidade da situação (de facto)”.30

Em terceiro e último lugar, levantam-se questionamentos quanto à duração da obrigação de não-reconhecimento – isto é, se ela permaneceria oponível aos Estados mesmo em situações cuja consolidação já se deu de maneira efetiva, em que pese a ilegalidade do ato que as consumou.31 O trabalho disputará as objeções à formulação do artigo 41(2) dos DARS elencadas acima ao discutir sua pertinência ao caso Palestina v. Estados Unidos na quarta seção. A seguir, levantará quais foram as contribuições oferecidas pela jurisprudência da Corte Internacional de Justiça para a formulação do conteúdo do dever de não-reconhecimento.

III. A obrigação de não-reconhecimento
na jurisprudência da cij

A Corte adjudicou sobre casos os tangenciavam obrigações de não-reconhecimento em três oportunidades no curso de sua jurisprudência – em duas Opiniões Consultivas (em 1971 e 2004) e em um caso contencioso (em 1995) o qual não obteve acesso à jurisdição. Embora as decisões tenham estipulado efeitos importantes para os Estados nela referidos, elas também cumpriram o papel de clarificar questões sobre o conteúdo, a execução e o alcance da obrigação, de modo a preencher lacunas no direito costumeiro e no projeto da CDI, assim como interpretar as resoluções do Conselho de Segurança que impuseram aos Estados o dever de não-reconhecer um ato ilícito. Enfim, a Corte, ao expedir sua Opinião Consultiva sobre a construção do muro em territórios palestinos ocupados, em 2004, também fornece informações importantes para o exame de responsabilidade internacional no caso Palestina v. Estados Unidos.

1. A Opinião Consultiva sobre a presença sul-africana na Namíbia

Em 21 de junho de 1971, a Corte expediu sua Opinião Consultiva sobre as consequências legais para os Estados da contínua presença sul-africana na Namíbia (então Sudoeste Africano) a despeito da Resolução 276 do CSNU. O apelo à CIJ fora estipulado na Resolução 284 do Conselho, em face do descumprimento da Resolução 276 pela África do Sul, bem como de outras resoluções do mesmo órgão e na esteira de resoluções da AGNU. 32

Julgado no ano anterior pela CIJ, o caso Barcelona Traction Light & Power apontava para existência de obrigações ‘devidas à comunidade internacional como um todo’ ou erga omnes, em sua maioria advindas da violação de normas peremptórias. Todavia, a Corte evitou estipular o conteúdo das obrigações decorrentes da violação de normas daquela natureza.33 Nesse cenário, a Resolução 276 tornou-se ilustrativa, uma vez que o CSNU nela previa não apenas a condenação de jure da contínua presença sul-africana no território do Sudoeste Africano, mas também estabelecia a obrigação concreta aos países-membros das Nações Unidas de não se engajarem na contração de direitos e obrigações (i. e. ratificação de tratados ou acordos de qualquer natureza) referentes ao território ocupado com o governo da África do Sul – sob risco de que tais atos fossem considerados inválidos.34 Haveria, tão logo, um dever de não-reconhecimento dos direitos sul-africanos para o exercício de atos típicos aos entes soberanos, pois o Estado ocupante não poderia expressar o animus da Namíbia ao obrigar-se internacionalmente, e seus atos administrativos e legislativos relativos ao território ocupado deveriam ser considerados nulos.35 Ao examinar as consequências do descumprimento da resolução, a CIJ adicionou que a obrigação deveria ser oponível a todos os Estados, inclusive aqueles não-signatários da Carta das Nações Unidas, bem como os exortou a não travar relações diplomáticas no território ocupado.

A Opinião Consultiva avançou o debate em relação à obrigação de nãoreconhecimento em algumas frentes: por um lado, emendou o argumento apresentado em Barcelona Traction no sentido de conceber consequências palpáveis da violação de normas peremptórias —de modo a conferir uma dimensão positiva (um ‘fazer’) ao conteúdo da obrigação— e, por outro, apontou no sentido de garanti-la um caráter geral, oponível a todos os Estados pois decorrente de uma resolução do CSNU.36 Com o intuito de estipular o conteúdo do dever, a Corte exortou os Estados a não se engajarem em tratados cujo objeto era, em todo ou em parte, o território ocupado, bem como de não travar nele relações diplomáticas – o que favoreceria a tese palestina de que missões diplomáticas não deveriam ser instaladas em territórios sob ocupação.

2. O caso concernente ao Timor Leste (Portugal v. Austrália)

Em 30 de junho de 1995, a Corte expediu sua sentença no caso concernente ao Timor Leste, o qual opôs Portugal e Austrália numa disputa relativa à execução do Tratado da Zona de Cooperação Econômica firmado entre Austrália e Indonésia em 1989, na esteira de tratados anteriores responsáveis pela delimitação das plataformas continentais dos Estados.37 Ao apresentar sua petição inicial à Corte, Portugal alegou que a Austrália, ao assinar e ratificar o referido tratado, bem como adotar as medidas legislativas necessárias para sua execução, ofendeu o direito do povo do Timor Leste à auto determinação e à soberania sobre seus recursos naturais, bem como os direitos de Portugal como Estado-administrador e as resoluções 384 e 389 do CSNU.38 Nas palavras do então Ministro dos Negócios Estrangeiros da Austrália em 1978, os tratados responsáveis pela delimitação da plataforma continental firmados com a Indonésia ao longo da década de 1970 significariam “o reconhecimento de jure da incorporação do Timor Leste [pela Indonésia]”, apesar “da oposição consistentemente sustentada pelo governo [australiano] em relação ao método de incorporação”.39 O caso não obteve, contudo, acesso à jurisdição da Corte.40

Sem fazer menção à obrigação de não-reconhecimento, o caso East Timor revela algumas importantes características de sua natureza. Em primeiro lugar, estipula a estreita conexão entre a existência de resoluções de órgãos de segurança coletiva (notadamente, o CSNU) e a execução da obrigação em análise, de modo a relativizar sua eficácia em casos em que tais resoluções são ausentes. É interessante notar que, embora as resoluções 384 e 389 do CSNU não exortem os Estados diretamente a ‘não-reconhecer’ a ocupação do Timor Leste, mas apenas a ‘cooperar para levar ao fim’ tal situação, a petição portuguesa parece avançar a tese de que as obrigações presentes no artigo 41 dos DARS são indissociáveis, e que uma das formas de se ‘cooperar para levar ao fim’ é, justamente, evitar o reconhecimento de atos ilícitos. A petição assevera que não apenas a assinatura e ratificação do tratado de cooperação entre Austrália e Indonésia são evidências suficiente do reconhecimento australiano da ocupação territorial sobre o Timor, mas também são o próprio objeto do caso.41 A réplica australiana alegou a existência não de um ‘dever’ de não-reconhecimento, mas de uma ‘liberdade’ tutelada pelos Estados para reconhecer ou não anexações territoriais conduzidas por seus pares. Esta tese pode ser lida em contraste com a interpretação sugerida das resoluções do CSNU e com o dictum da própria Corte na Opinião Consultiva sobre a Namíbia de 1971.

Em segundo lugar, com fundamento no desenvolvimento da prática das Nações Unidas e na própria Carta da ONU, a Corte afirma ser ‘irretocável’ a alegação portuguesa de que o direito à autodeterminação tem caráter erga omnes42 e, portanto, enseja as obrigações próprias de tais normas as quais possuem também natureza peremptória caso sejam violadas – e.g. a obrigação de não-reconhecimento. O caso nota, tão logo, a condição singular das situações de anexação territorial mediante uso ilegal da força dentre as demais violações de normas peremptórias no que concerne ao dever de não-reconhecimento.43

Em terceiro lugar, o caso denota a separação entre a dimensão material e processual dos litígios adjudicados pela Corte, afirmando que a natureza erga omnes da obrigação violada não é suficiente para superar o óbice de uma base de jurisdição ausente relativa a um Estado-terceiro afetado pelo julgamento. As três considerações são de vital relevância para o caso Palestina v. Estados Unidos.

3. A Opinião Consultiva sobre a construção do muro
em território palestino ocupado

Em 9 de julho de 2004 a Corte expediu sua Opinião Consultiva sobre as consequências jurídicas da construção de um muro em território palestino ocupado, requisitada pela AGNU em dezembro de 2003 por força da resolução ES 10/14.44 Ao realizar uma análise detida do traçado e das características do muro construído por Israel, bem como do direito aplicável, a Corte notou a ilegalidade das incursões e assentamentos realizados por aquele Estado de 1967 em diante no território oriental à linha traçada no Plano de Partição de 194945 bem como inúmeras violações de convenções de Direito Humanitário e de Direitos Humanos, de resoluções do CSNU e da AGNU e de resoluções do Comitê de Direitos Humanos da ONU, algumas das quais continham obrigações devidas à comunidade internacional como um todo.46

A Corte notou que diversos Estados, em suas observações orais e escritas, argumentaram que a construção do muro produziria consequências jurídicas não apenas para Israel, enquanto detentor da obrigação principal, mas também para outros Estados e para a comunidade internacional. Nesse sentido, a Corte afirmou que todos os Estados estariam sob a obrigação de uma vez comprovada a ilegalidade dos atos cometidos por Israel, não reconhecer a situação deles decorrente, bem como não oferecer nenhum auxílio capaz de perpetuá-la e cooperar para levá-la ao fim por meio da garantia de reparações.47

Em função da coincidência geográfica com o caso Palestina v. Estados Unidos, a Opinião Consultiva sobre o muro construído por Israel não apenas reitera o caso East Timor ao afirmar a natureza erga omnes da obrigação de não-reconhecimento de uma situação gerada em função de uma violação ao direito à autodeterminação, mas o faz em relação ao mesmo contexto aviltado em 2018 pela Palestina. Além, embora não faça referência direta aos DARS, a Corte formulou o texto de sua Opinião Consultiva em conformidade com os artigos 41(2), 48 e 5448 e afirmou que a obrigação de não-reconhecer a aquisição de território por via de um ato de agressão compõe o costume internacional.49 Neste sentido, a CIJ avançou ao reconhecer não somente o caráter erga omnes do direito à autodeterminação, mas também das obrigações decorrentes de sua violação.50 Este precedente é, tão logo, de vital importância para o caso sob análise, uma vez que confirma, por meio da decisão de um tribunal internacional, a ilegalidade dos atos cometidos por Israel em 1967 e da situação por eles instaurada já indicada anteriormente pelo CSNU.51

IV. A aplicabilidade da obrigação de não reconhecimento
ao caso Palestina v. Estados unidos

1. A suposta ilegalidade da transferência da embaixada dos EUA

A embaixada dos United States of America em Jerusalém está instalada em um imóvel localizado no bairro de Arnona, cuja extensão se encontra majoritariamente em Jerusalém Ocidental e, parcialmente na no man’s land —um título precário enquanto definição jurídica e compreendido analogamente como terra nullius ou zona desmilitarizada. Por consequência, a Palestina, em sua petição inicial, alegou que a embaixada fora instalada em território ocupado, e não em território israelense, uma vez que a no man’s land não compõe o hemisfério ocidental de Jerusalém.

Os antecedentes da demarcação desta zona remontam à Resolução 181 (II)52 de 29 de novembro de 1947, a qual tinha o objetivo de criar o Estado de Israel e propor um plano de partição do então território britânico da Palestina entre judeus e muçulmanos. A AGNU determinou que 55% do território seria destinado a Israel, enquanto 45% à Palestina, e Jerusalém seria considerada um corpus separatum sob a administração das Nações Unidas.53 Contudo, as disposições do Plano foram rejeitadas pela Liga Árabe e igualmente ignoradas pelas forças militares israelenses no curso da Guerra Árabe-Israelense, as quais anexaram quase 60% da área anteriormente concebida como território palestino.54 Israel ocupou Jerusalém Ocidental e outras zonas, como Jaffa, Galileia e parte da Cisjordânia. Ao repartir o território palestino —e Jerusalém— a linha do Armistício foi esboçada por líderes militares de Israel e da Jordânia. Sob os termos do cessar-fogo, a região a leste da linha traçada seria administrada pela Jordânia, enquanto a região a oeste ficaria sob a soberania de Israel. Entre essas linhas, no entanto, uma terceira área foi traçada no centro de Jerusalém: quase 750 acres de território foram designados como no man’s land.55 A AGNU, por sua vez, reiterou a afirmação de que Jerusalém deveria permanecer como um corpus separatum em sua resolução 303(IV).56

A situação permaneceu relativamente estável até 1967 - exceto pela breve invasão da península do Sinai por Israel em 1956, durante a Crise de Suez. Com o início da Guerra dos Seis Dias em junho de 1967 e, em particular, com a tomada de Jerusalém Oriental em 25 de junho daquele ano, toda a cidade ficou sob jurisdição israelense e o status internacional de Jerusalém tornou-se mais nebuloso.57 Um memorando do Ministério das Relações Exteriores de Israel declarou a soberania não apenas sobre Jerusalém Oriental, mas também sobre a no man’s land, confirmando a ocupação de toda a Cidade Santa.58

Em 22 de novembro de 1967, logo após o início dos ataques armados israelenses contra seus vizinhos árabes, o CSNU aprovou a Resolução 242. A resolução foi uma tentativa de se conciliar as teses israelenses e árabes sobre a questão de Jerusalém, bem como de cessar as atrocidades entre os beligerantes. Enquanto os países árabes exigiam a retirada das tropas israelenses de todos os territórios ocupados como condição para o estabelecimento de um acordo de paz, o governo de Israel somente consentiria com a retirada se seus supostos direitos territoriais fossem assegurados.59 Entretanto, a resolução não exortou diretamente a retirada de Israel de todos os territórios ocupados após 5 de junho de 1967, optando pela solução de compromis, a qual requisitou “a retirada das forças armadas de Israel de territórios ocupados no recente conflito.” (CSNU, 1967). A omissão notável é a palavras ‘todos’ precedente a ‘territórios’, sem a qual a delimitação de quais dentre os territórios ocupados deveriam ser abandonados pelas forças armadas tornou-se praticamente impossível a partir da Resolução 242.60

Logo, desde 1967, a seção oriental de Jerusalém vem sendo considerada pela prática dos Estados no CSNU como território ocupado, de modo que alguns optaram por instalar suas missões diplomáticas na cidade costeira de Tel Aviv. A força vinculativa da resolução 242 foi também disputada por Israel sob o argumento de que aquela fora adotada no âmbito do Capítulo VI (Resolução pacífica de controvérsias) da Carta das Nações Unidas, o qual, ao contrário do Capítulo VII (ameaças à paz, violações da paz e atos de agressão), não tem expressamente garantida a natureza compulsória das resoluções produzidas sob seus artigos, independente de sua elaboração pelo próprio CSNU. Como consequência, Israel utilizou a origem da resolução como um álibi para legitimar sua jurisdição sobre a cidade inteira.61 Alguns Estados se opuserem ao notar a ilegalidade da argumentação, uma vez que a proibição da aquisição de territórios pelo uso da força é corolário do disposto no artigo 2(4) da Carta da ONU e reflexo das normas de direito costumeiro e jus cogens, bem pelo fato de ir de encontro com as competências e o poder de decisão do CSNU descritos pela CIJ em Namibia.

Não obstante, o CSNU reafirmou sua convicção relativa à ilegalidade da ocupação israelense dos territórios invadidos em 1967 em resoluções subsequentes à 242 —notadamente, nas resoluções 252 (1968), 267 (1969), 271 (1969) e 298 (1971). Em 1980, por ocasião da promulgação da Lei Básica (Basic Law) em Israel, a qual declarou Jerusalém como “una e indivisa capital do Estado de Israel”62 o CSNU adotou sua resolução 476 cujo texto exortava Israel a cessar todas as ações administrativas e legislativas destinadas a alterar o status internacional da cidade de Jerusalém.63 Nesse sentido, a resolução 476 aponta também para a violação da própria resolução 242, uma vez que Israel falhou ao tentar convencer outros Estados de que seu título territorial sobre a cidade era legítimo e, não obstante, manteve-se nos territórios ocupados. Em função da recusa israelense ao cumprir a resolução 476, em 1982 o CSNU adotou a resolução 478, a qual exortava todos os Estados a não reconhecer qualquer ato administrativo ou legislativo de Israel cujo intuito seria alterar o status de Jerusalém, bem como a retirar suas representações diplomáticas da cidade.64

Entre 1980 e 2016 a política externa americana relativa a Israel conheceu um período de pragmatização, de modo a gradualmente aproximar-se de uma solução negociada entre a Palestina e aquele Estado a qual garantisse o título territorial israelense sobre Jerusalém.65 O Congresso dos EUA promulgou, em 1995, o Jerusalem Embassy Act, o qual exortava o Presidente e o Departamento de Estado a transferir a embaixada instalada em Tel Aviv para Jerusalém. Em virtude da oposição do então Presidente e do Departamento de Justiça —os quais enxergavam a lei como uma usurpação da competência constitucional presidencial— o Congresso aprovou uma segunda versão que garantia ao Presidente o poder de postergar a transferência.

A declaração norte-americana de 2017 impulsionou uma nova fase de debates sobre a questão da soberania israelense sobre Jerusalém nas Nações Unidas. O CSNU foi convocado em 8 de dezembro para ouvir o relatório sobre o tema elaborado pelo Coordenador Especial para o Processo de Paz no Oriente Médio e pelo Representante do Secretário-Geral.66 Além disso, os projetos de resolução escritos no âmbito da AGNU pelo Iêmen e pela Turquia foram aprovados no escopo da Resolução ES 10/19, que, por sua vez, reafirmou a nulidade de atos unilaterais que visem a alteração do status de Jerusalém como um corpus separatum, lembrando a Resolução 478 do CSNU e o artigo 2 da Carta da ONU.67 A Resolução foi aprovada com o placar de 128 votos favoráveis, 9 contrários (Guatemala, Honduras, Israel, Ilhas Marshall, Micronésia, Nauru, Palau, Togo e Estados Unidos), 21 faltantes e 35 abstenções.68 O veto dos EUA impediu que a resolução proposta pelo Egito em 18 de dezembro de 2017, a qual sugeria a ilegalidade da declaração norte-americana e da transferência da embaixada, fosse aprovada no CSNU.69 Em que pese a falta de uma resolução vinculativa, a declaração dos EUA foi prontamente considerada ilegal por quase todos os estados presentes na AGNU e no CSNU.70 A resolução egípcia foi aprovada por todos os outros 14 Estados-membros do Conselho, incluindo os quatro membros permanentes, com a exceção dos EUA. Em particular, os Estados levantaram o dever de não reconhecer a aquisição de territórios pelo uso ilegal da força como a principal sustentação de seus posicionamentos, interpretando a transferência da embaixada dos EUA como um ato de reconhecimento da ocupação de Jerusalém Oriental por Israel.71

A suposta ilegalidade foi fundamentada por dois raciocínios distintos: em primeiro lugar, o fato de que Israel anexou Jerusalém Oriental e a no man’s land por meio de um ato de agressão justificado como legítima defesa em 1967. A anexação consistiria em uma violação do artigo 2 (4) da Carta das Nações Unidas, a qual é reflexo (i) da norma costumeira de proibição da agressão e (ii) da norma de jus cogens de proibição da agressão —e de seu corolário que proíbe a anexação territorial por meio daquela. Em segundo lugar, o fato de que a presença israelense em Jerusalém Oriental também violaria o tratado de armistício de 1948 com a Jordânia, o qual limitaria a soberania israelense à metade ocidental da cidade. Este último argumento, no entanto, é contestável, uma vez que a Jordânia abdicou definitivamente de seus direitos sobre qualquer território palestino em 198872 e, por consequência, alega-se que Israel não deveria manter as obrigações pactuadas em 1949.73 Em todo caso, o título territorial de Jerusalém Ocidental pertenceria a Israel —por força do Tratado de Armistício com a Jordânia de 1949, de um lado, ou da aquiescência da comunidade internacional, de outro, enquanto Jerusalém Oriental e a no man’s land seriam considerados, ambos, territórios ocupados por Israel desde 1967.74 Para além das evidentes limitações políticas, contudo, nada impede a argumentação de que Jerusalém, una e indivisa, segundo o Plano de Partição de 1947, trata-se de um corpus separatum de qualquer Estado, de modo que o exercício de qualquer título territorial sobre a cidade seria manifestamente contrário ao Direito Internacional.

Em função do exposto acima, é possível notar que, caso a interpretação palestina do artigo 3 da CVRD prove-se verdadeira —i.e. a obrigatoriedade de que as representações diplomáticas devam compulsoriamente ser instaladas em territórios não ocupados pelo Estado acreditado— há condições para se defender que a embaixada dos EUA recém-instalada em Jerusalém está localizada em território ocupado. Note-se que não há necessidade de se adjudicar em relação ao título territorial da no man’s land —se aquele é ou não de posse palestina— mas tão somente verificar que este, assim como Jerusalém Oriental, não são parte do território israelense —afirmações corroboradas pelas resoluções do CSNU e pela Opinião Consultiva da CIJ discutidas anteriormente—. Nesse sentido, a violação da obrigação de não-reconhecimento insurgiria como consequência da realocação da embaixada em um imóvel localizado, ainda que parcialmente, em território sob ocupação, a qual demonstraria a aquiescência, por parte dos Estados Unidos, do título territorial israelense sobre toda a cidade, bem como produziria responsabilidade internacional ao Estado acreditante.

2. Objeções à obrigação de não-reconhecimento
em Palestina v. Estados Unidos de América

Diversas objeções foram elencadas anteriormente quanto à existência, o conteúdo e a execução de uma obrigação de não-reconhecimento em geral as quais, indubitavelmente, podem ser levantadas no caso sob análise. É preciso verificar se as circunstâncias encontradas em Palestina v. Estados Unidos são suficientes para afastar tais questionamentos.

A primeira objeção diz respeito ao fato de que alguns Estados se manifestaram no sentido de disputar a qualidade auto executória da obrigação de não reconhecimento, alegando que sua execução estaria condicionada à existência de uma resolução de um órgão de segurança regional ou global que comandasse a sua execução expressamente. Trata-se de uma objeção razoável, dado o número irrisório de prática em que os Estados, na ausência de uma resolução do CSNU, exortaram a si mesmos a não reconhecer a situação gerada por um ato ilícito cometido por um de seus pares. Não há, contudo, nos termos do artigo 41(2) dos DARS, nenhuma relação de dependência entre resoluções do Conselho e a recusa ao reconhecimento.75 Ainda, o CSNU já dispôs aos Estados uma obrigação de não-reconhecimento da ocupação de territórios palestinos por Israel na Resolução 478 a mesma a qual comandou os Estados a retirarem suas missões diplomáticas de Jerusalém. Logo, não há de se falar em ausência de coordenação multilateral no processo de execução da obrigação de não reconhecimento em Jerusalém. Em adição, o dever de não-reconhecimento foi o principal argumento levantado pelos Estados no CSNU durante a sessão emergencial que debateu a transferência da embaixada dos EUA em 18 de dezembro de 2017 e foi igualmente reafirmada em 21 de dezembro do mesmo ano pela AGNU em sua Resolução ES-10/L.22.76 Arcari nota que, ao sustentarem seus votos no CSNU e na AGNU, grande parte dos Estados fez menção à norma costumeira (ou princípio geral) inscrito na Declaração de Princípios do Direito Internacional de 1970 que proíbe a aquisição de território por meio de um ato de agressão —o que advoga em favor de uma execução independente da obrigação, visto que não há requisito equivalente de coordenação multilateral para a execução de outras normas costumeiras.77

Ainda sobre a execução, Arcari recorda que, ao sustentar seu veto no CSNU, os EUA afirmaram que a Resolução 478 de 1980 não impunha nenhuma restrição ao seu direito de estabelecer relações diplomáticas com Israel conforme a vontade de ambos os Estados. Todavia, o representante da França no Conselho refutou o argumento ao asseverar que a Resolução 478 tão somente reafirmava o compromisso dos demais Estados-membros com o Direito Internacional, não criando nenhuma obrigação original, mas sim afirmando sua existência enquanto norma costumeira. No entanto, embora não adotada sob o Capítulo VII da Carta da ONU, a compulsoriedade da resolução poderia ser facilmente argumentada com fundamento no poder geral de decisão garantido ao Conselho pelo art. 25 da Carta —o qual fora sublinhado pela própria CIJ por ocasião da Opinião Consultiva sobre a Namíbia.78

Vale recordar que a sensível natureza política do CSNU já foi suscitada enquanto argumento para sustentar sua ineficácia como organismo de coordenação de represálias a violações de normas peremptórias —notadamente durante os anos 1940-1970. Inúmeras propostas foram introduzidas, no âmbito do 6º Comitê da AGNU e na própria CDI (pelo então rapporteur especial Arangio-Ruiz), no sentido de arquitetar novas estruturas e mecanismos de resposta a graves violações independentes do Conselho. Todavia, o caráter utópico e pouco funcional das propostas, as quais coordenavam um sem-fim de agências da Organização, acabaram por conhecer o ceticismo dos Estados e foram abandonadas.79 Logo, uma possível execução de obrigações erga omnes relativas ao status de Jerusalém e articulada no seio das Nações Unidas ainda permaneceria largamente sob responsabilidade do CSNU.

Uma crítica mais contundente diz respeito à declaração de alguns Estados no âmbito do CSNU de que o não-reconhecimento da transferência da embaixada dos EUA tornaria este ato ‘inválido e nulo.’ É bastante improvável que um ato de não-reconhecimento coletivo produzisse uma invalidade de jure, de modo a anular o consentimento dos Estados nele envolvidos. O que parece se almejar com a obrigação de não-reconhecimento é antes provocar a ineficácia de um ato em contraste com o Direito Internacional do que a sua invalidade, no sentido de impedir que o Estado que praticou o ato de reconhecimento extraia dele benefícios.80 Todavia, aqui é preciso notar que a Resolução ES- 10/19 da AGNU a qual exorta os Estados a não reconhecer todas as decisões ou ações visando a alteração do status internacional de Jerusalém recai não apenas sobre os atos que alteram tal status diretamente (como a ocupação levada a cabo por Israel) mas também indiretamente (como a transferência da embaixada dos EUA).81 Tal afirmação pode ser lida em contraste com o artigo 41(2) dos DARS, o qual assevera que apenas a violação de uma norma peremptória poderá suscitar a obrigação de não-reconhecimento e a nulidade dos atos que conduziram à violação, o que não é o caso da transferência da embaixada.82 Logo, o caso Palestina v. EUA comporta, em última análise, duas obrigações de não-reconhecimento: uma devida por todos os Estados a seus pares, a qual os exorta a não reconhecer a ocupação territorial conduzida por Israel —pretensamente violada pelos EUA— e outra cujo objeto é a própria transferência da embaixada que, por sua vez, não pode produzir oponibilidade erga omnes aos Estados, uma vez que não se deu por resultado de uma violação de uma norma de peremptória. De acordo com Castellarin:

A situação é incomum: o objeto da [obrigação de] não reconhecimento é o próprio reconhecimento. Ou seja, trata-se de um caso em que a obrigação de não reconhecimento opera tanto como norma secundária (consequência da violação de jus cogens por Israel), como norma primária (violada por Estados Unidos) e novamente como norma secundária (consequência do ato ilícito dos Estados Unidos). Embora, em teoria, o não reconhecimento possa ser objeto de uma obrigação primária, na prática internacional, aquele é essencialmente uma norma secundária, que só se aplica como consequência da violação grave de um subconjunto de normas primárias, imperativas. O não-reconhecimento do status de Jerusalém estabelecido por Israel enriquece a prática já estabelecida, enquanto o não reconhecimento das medidas norte-americanas dá início a uma nova prática. 83

Esta distinção aparentemente tecnicista traz consigo outra dificuldade: a Resolução ES-10/19 da AGNU não afirma o caráter costumeiro da obrigação de não-reconhecimento referente à realocação em momento algum —a propósito, utiliza tão somente documentos onusianos (i.e. resoluções anteriores da própria AGNU e do CSNU) como fonte da obrigação, sem lançar mão do Direito Internacional geral.84 Por consequência, uma vez que a obrigação de não-reconhecimento relativa à transferência da embaixada dos EUA não insurgiu graças à violação de uma norma de jus cogens, mas sim na esteira de uma obrigação erga omnes antecedente e, somado a isso, não teve seu caráter costumeiro afirmado pela resolução, não é possível aceitar a sua oponibilidade erga omnes. Em outras palavras, a não ser que fosse possível afirmar o caráter costumeiro de todas as obrigações de não-reconhecimento —e não somente daquelas, nos termos dos DARS, oriundas da violação de normas peremptórias— resta impossível afirmar que todos os Estados estariam sob a obrigação de não reconhecer a nova embaixada dos EUA em Jerusalém, bem como de evitar travar relações diplomáticas com a missão nela lotada. Nesse caso, os Estados estariam diante de uma faculdade para não reconhecer, e não de uma obrigação strictu sensu.85

No que concerne ao conteúdo da obrigação, é difícil delimitar quais atos estariam sob sua incidência para além daqueles de natureza puramente formal –por exemplo, a emissão de declarações unilaterais de protesto ou os a denúncia de tratados cujo objeto é a embaixada.86 Castellarin pondera que, enquanto a participação em um coquetel de recepção do novo embaixador dos EUA pode ser interpretado como um reconhecimento de facto, comparecer a uma reunião diplomática oficial na embaixada —em virtude de sua importância e relação com direta com os temas políticos afetos ao Estado acreditante— poderia ser compreendida como um reconhecimento de jure.87 Ressalvada a distinção por vezes ilusória entre as duas modalidades de reconhecimento, o exemplo revela que o conteúdo da obrigação, embora conscrito às atividades praticadas por e para aquela missão diplomática, não pode ser afirmado a priori, cabendo à discricionariedade dos Estados considerar quais atos reconhecem, endossam ou auxiliam a perpetuar a situação ilícita. A questão agrava-se quando o ato de reconhecimento praticado é capaz de provocar, indiretamente, benefícios à Palestina —por exemplo, caso a embaixada em Jerusalém passasse a servir como consulado-geral acessível também ao povo palestino.

Previamente à expedição da declaração em dezembro de 2017 e a realocação da embaixada em maio de 2018, os EUA estavam sob a obrigação de não-reconhecer a soberania israelense sobre os territórios ocupados. O conteúdo desta obrigação poderia ser executado de diversas maneiras: (i) na recusa de estabelecer relações convencionais cujo objeto era, em todo ou em parte, o território ocupado (ou um bem nele instalado); (ii) na recusa de instalar missões diplomáticas no território ocupado (iii) na recusa em travar relações econômicas e comerciais cujo objeto era o território ocupado; (iv) na recusa de reconhecer como legítimos os atos administrativos, judiciais ou legislativos emitidos pelo Estado ocupante cujo objeto é o território ocupado ou pessoas nele domiciliadas, dentre outras.88 A transferência marcou a violação da obrigação e, paralelamente, ensejou uma nova obrigação de não-reconhecimento por parte dos Estados-terceiros —a qual, por carecer de natureza erga omnes e depender da discricionariedade dos Estados para ser executada, incita ainda mais dúvidas em relação ao seu conteúdo.89 Qual é a obrigação (ou faculdade) conferida ao Estados frente a instalação de uma embaixada americana em Jerusalém?90

Enfim, alguns críticos apontam para o fato de que a jurisdição israelense sobre Jerusalém Oriental e sobre os demais territórios ocupados trata-se de um ‘fato consumado’, e que os Estados não poderiam ser coibidos por organizações internacionais a reconhecer de facto uma situação irreversível. Ora, o reconhecimento de facto só tem sentido se for capaz de produzir efeitos benéficos ao Estado que emitiu o reconhecimento, de modo a expandir suas relações diplomáticas —o que, inevitavelmente, exigiria um reconhecimento de jure e, por consequência, violaria o princípio ex injuria jus non oritur. Além disso, um reconhecimento tácito ou explícito dos direitos territoriais de Israel sobre a metade oriental de Jerusalém iria, inevitavelmente, na contramão da prática dos Estados —os quais vem se opondo bilateralmente e no âmbito do CSNU a tal reconhecimento. As resoluções do CSNU não perecem caso a execução das obrigações nelas contidas não seja verificada, e ainda menos as obrigações próprias deixam de existir quando gozam de oponibilidade erga omnes.91

V. Conclusão

Em 1932, o então Secretário de Estado dos EUA, Henry Stimson, formulou a doutrina de não-reconhecimento de anexações territoriais via agressão —a qual foi sustentada por muitos de seus sucessores e por outros Estados na Liga das Nações— em face da anexação da província chinesa da Manchúria Pelo Japão. Pouco mais de 90 anos depois a doutrina de política externa parece ter oficialmente adentrado o regime de responsabilidade dos Estados: uma obrigação de não-reconhecimento de atos ilícitos, notadamente aqueles cometidos em violação de normas peremptórias, insurge como parte do costume internacional e com oponibilidade erga omnes.

As conclusões obtidas nesta breve investigação apontam para a existência de uma obrigação internacional de não-reconhecimento cujo objeto são os territórios sob ocupação israelense, em particular no hemisfério oriental da cidade de Jerusalém. A Corte Internacional de Justiça, em eventual exame do mérito do caso Palestina v. Estados Unidos da América, poderia reconhecer, no ato de realocação da embaixada norte-americana de Tel Aviv para Jerusalém, a violação daquela obrigação e o ensejamento de responsabilidade internacional dos Estados Unidos. Nesta hipótese, o trabalho demonstra que (i) a execução de tal obrigação não estaria necessariamente condicionada a um comando de um órgão de segurança coletiva, ainda que ela já tenha sido exortada por resoluções anteriores do CSNU concernentes à Jerusalém; (ii) a obrigação não incita inequivocamente a nulidade da declaração dos EUA e do ato do Departamento de Estado que realocou a embaixada, mas tão somente obriga os Estados a não reconhecê-los e a privá-los de eficácia; (iii) há uma segunda obrigação de não-reconhecimento direcionada aos Estados cujo objeto é a própria transferência da embaixada —a qual não parece gozar de oponibilidade erga omnes, pois não é consequência de uma séria violação de normas peremptórias; (iv) não há de se falar em duração ou caducidade da obrigação, de modo que esta deve perdurar enquanto a situação produzida pela violação subsistir e (v) o conteúdo da obrigação investigada comporta condutas diversas, como a recusa em estabelecer missões diplomáticas no território ocupado, em contrair obrigações convencionais cujo objeto é o território ocupado ou bens nele localizados, o não-reconhecimento de atos administrativos, legislativos ou judiciais os quais envolvam o território ocupado ou pessoas nele domiciliadas, a interrupção de linhas aéreas, rodoviárias e ferroviárias, dentre outros.

Em eventual exame de mérito, a Corte adjudicaria sobre a cessação e a compensação devidas pelos Estados Unidos à parte lesada, bem como aplicar eventuais medidas de satisfação e garantias de não-repetição. Em igual medida, poderia sugerir novas consequências para a violação do dever de não-reconhecimento, bem como estipular seu conteúdo com fundamento na prática dos Estados.

Em abril de 2020, o então candidato à presidência dos EUA pelo Partido Democrata, Joe Biden, afirmou que, caso eleito, não revogaria a declaração 9683 e não realocaria a missão instalada em Jerusalém, embora discordasse da medida tomada por seu antecessor. A assertiva implica na continuidade do procedimento instaurado na CIJ, o qual, até o presente momento, ainda não conta com as observações em resposta da parte requerida.

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1 Estados Unidos da América [EUA]. Proclamação 9683 de 6 de dezembro de 2017, ‘Recognising Jerusalem as the Capital of the State of Israel Relocating the United States Embassy to Israel to JerusalemFederal Register, vol. 82, n. 236 58331, 11 de dezembro de 2017.

2 “The foreign policy of the United States is grounded in principled realism, which begins with an honest acknowledgment of plain facts. With respect to the State of Israel, that requires officially recognising Jerusalem as its capital and relocating the United States Embassy to Israel to Jerusalem as soon as practicable.” Idem.

3 “The State of Israel has made its capital in Jerusalem — the capital of the Jewish people established in ancient times”. Idem.

4 O artigo 3o. da Convenção exige que as funções da missão diplomática sejam desempenhadas “no Estado receptor [acreditado].” Como o status territorial de Jerusalém enquanto parte do território sob soberania israelense permanece em disputa, a Palestina argumenta que a transferência das instalações de representação dos United States of America para a cidade seria considerada uma violação da CVRD, pois aquelas estariam funcionando fora do território do Estado acreditado. Corte Internacional de Justiça [CIJ]. Aplicação Instituindo Procedimentos [Application Instituting Proceedings] de 28 de setembro de 2018. Relocation of the United States embassy to Jerusalem. Haia, Países Baixos. pp. 2-18, 28 set. 2004, disponível em https://www.icj-cij.org/files/case-related/176/176-20180928-APP-01-00-EN.pdf. Acesso em: 14 nov. 2019.

5 A questão relativa à jurisdição territorial sobre a cidade de Jerusalém remete ao Plano de Partição de 1947, apresentado na Resolução 181 do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Após a Guerra dos Seis dias, em 1967, e a subsequente proclamação do Knesset em 1980 que declarou ser Jerusalém, una e indivisa, a capital do Estado de Israel, a situação tornou-se ainda mais incerta. Delimitar quem detem o título territorial sobre a cidade (total ou parcialmente e, nesse segundo caso, sobre quais zonas daquela) é importante para que a jurisdição da Corte sobre o caso seja concedida, uma vez que Israel não ofereceu consentimento ratione materiae à Corte para adjudicar sobre seus direitos territoriais —excetuada a obrigação de apelação à Corte para a solução de controvérsias presente no Plano de Partição que, para muitos, tornou-se inválida após o subsequente conflito de 1967.

6 Segundo o artigo 34 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, apenas Estados podem ser partes em litígios. Em que pese seu status como Estado-observador na Assembleia Geral da ONU e sua ratificação como parte em diversos tratados (inclusive alguns constitutivos de organizações internacionais, e. g. da UNESCO), a Palestina ainda enfrenta dificuldades típicas de entidades cuja autonomia é relativa e cuja condição é ambígua. Caberia à Corte definir, na hipótese de superação de tal objeção preliminar, se a Palestina é ou não uma entidade reconhecível tal qual Estado e, por consequência, se poderia nela litigar. Para um estudo aprofundado da condição palestina. Quigley, John, The Statehood of Palestine: international law in the Middle East Conflict?, 4a. ed., Nova York, Cambridge University Press, 2010, ou ainda: Akande, Dapo, “Palestine as a UN observer state: does this make Palestine a state?”, Firenze, EJIL: Talk!, 2018, disponível em: https://www.ejiltalk.org/palestine-as-a-un-observer-state-does-this-make-pa lestine-a-state/#:~:text=Last%20week%2C%20the%20UN%20General,to%20being%20an%20observer%20State, e Cassese, Antonio, “The Israel-PLO Agreement and Self Determination”, European Journal of International Law, Firenze, no. 4, 1993, pp. 564-571, passim.

7 O princípio impede que a Corte exerça sua jurisdição sobre direitos de Estados —terceiros os quais compõem o objeto principal do litígio— em que pese a garantia de intervenção prevista no Estatuto da Corte às partes essenciais do caso.

8 Sobre esta distinção conceitual do regime de responsabilidade dos Estados, ver: Ago, Roberto, “Características gerais da comunidade internacional e do seu direito”, trad. de Arno Dal Ri Jr., Sequência Estudos Jurídicos e Políticos, vol. 29, no. 56, 2010, pp. 21-22; Gaja, Giorgio, The protection of general interests in the international community, Haia, The Hague Academy of International Law, 2011, passim; Pellet, Alain, “Les Rapports de Roberto Ago à la CDI sur la Responsabilité des États, Forum du Droit International, Paris, no. 4, 1996, passim; Spinedi, Marina, “From One Codification to Another: Bilateralism and Multilateralism in the Genesis of the Codification of the Law of Treaties and the Law of State Responsibility”, The European Journal of International Law, vol. 13, ed. 5, 2001, pp. 1099-1125, passim, e Villalpando, Santiago, “The Legal Dimension of the International Community: How Community Interests Are Protected in International Law”, The European Journal of International Law, vol. 21, no. 2, 2010, pp. 387-419, passim. No entanto, James Crawford sustenta que o Direito Internacional reconheceu a existência de normas coletivamente tuteladas muito antes da distinção operada pela Corte Internacional em Barcelona Traction. A Corte Permanente de Justiça Internacional, por exemplo, asseverou que os quatro Estados propositores da petição inicial no caso Wimbledon, embora não tivessem relação concreta com a violação aviltada, agiram em nome do interesse comum. No âmbito da Comissão de Direito Internacional da ONU, o rapporteur especial para o Direito dos Tratados, Gerald Fitzmaurice, já havia proposto, em 1963, a distinção entre obrigações convencionais ‘interdependentes’ e ‘integrais’. Algo semelhante com o primeiro rapporteur especial para a Responsabilidade dos Estados, o cubano Francisco García-Amador. Crawford, James, State Responsibility: The General Part, 2a. ed, Cambridge, Cambridge University Press, 2013, p. 363-367.

9 Esta característica foi levada especialmente a sério pelo último rapporteur especial do projeto sobre responsabilidade dos Estados, Crawford, ao preterir o exame da responsabilidade internacional sob a óptica do ‘estado lesado’ em benefício das múltiplas situações em que a responsabilidade pode insurgir. Pellet, Alain, “The ILC’s Articles on State Responsibility…”, cit., p. 84. Alguns críticos apontam que a existência da obrigação de não-reconhecimento, conjugada às normas de jus cogens, pressupõe uma comunidade internacional regulada aos moldes do Direito Interno, ou seja, a partir da perspectiva de um soberano legislador e executor das normas e capaz de engendrar hierarquias entre elas – algo notadamente inconcebível no plano internacional. Entretanto, outros respondem afirmando que este é um argumento circular, uma vez que supõe um conjunto de estruturas imutáveis no Direito Internacional para fundamentar a inexistência, justamente, de normas capazes de desafiar sua estrutura bilateral primeva. Christakis, Théodore, “L’obligation de non-reconassaince des situations créées par le recours illicite à la force ou d’autres actes enfreignant des règles fondamentales, em Tomuschat, Christian e Thouvenin, Jean-Marc (comp.), The fundamental rules of the International Legal Order: jus cogens and obligations erga omnes, Amsterdam, Martinus Nijhoff, 2005, p. 131.

10 Pellet, Alain, “Remarques sur une révolution inachevée…”, cit., p. 228 e Nolte, Georg, “From Dionisio Anzilotti to Robert Ago: The Classical International Law of State Responsibility and the Traditional Primacy of a Bilateral Conception of Inter-State Relations”, The European Journal of International Law, vol. 13, no. 4, 2002, pp. 1085 e 1093.

11 Em virtude da percepção de que a natureza da responsabilidade internacional não era puramente penal, nem puramente civil, mas sim sui generis —bem como da oposição formada por alguns Estados (Espanha, Países Baixos, Áustria etc.) contra a retirada do capítulo III do anteprojeto defendida pelos EUA, Reino Unido, Japão e outros Estados. Crawford, James et al., “The ILC’s Articles on Responsibility of States for Internationally Wrongful Acts…”, cit., pp. 975 e 976.

12 Idem. É preciso, contudo, reconhecer que a proximidade entre os conceitos de normas peremptórias e obrigações erga omnes como codificados pela CDI não justifica o abandono da distinção – consideração relevante para o caso Palestina v. Estados Unidos. Enquanto as normas de jus cogens são caracterizadas pelo seu status hierarquicamente superior às demais normas internacionais, as obrigações erga omnes podem ter como objeto circunstâncias bastante ordinárias. Além disso, enquanto as normas de jus cogens afetam a validade de normas conflitantes, as obrigações erga omnes dizem respeito aos efeitos de uma determinada violação em Estados-terceiros. Uma terceira distinção é apontada por Bassiouni, ao revelar que, se as normas de jus cogens estão intrinsecamente ligadas à noção de dever, o mesmo não pode ser afirmado sem dúvidas em relação às obrigações erga omnes – uma vez que alguns enxergam naquelas não um comando objetivo, mas sim uma faculdade garantida aos Estados na condição de terceiros frente a uma grave violação. Asteriti, Alessandra e Tams, Christian, “Erga omnes, jus cogens and their impact on the law of responsibility”, em Evans, Malcolm e Koutrakis, Panos (comp.), The International Responsibility of the European Union, Oxford, Hart Publishing, 2013, p. 92, e Bassiouni, Cherif, “International crimes: jus cogens and obligations erga omnes”, Law and Contemporary Problems, vol. 59, no. 4, 16, p. 72.

13 No que concerne ao dever inscrito no primeiro parágrafo não há nenhuma definição estrita quanto a forma da cooperação, de modo que esta pode dar-se em conformidade com a vontade dos Estados e com as exigências das circunstâncias, desde que o ato de cooperação não viole nenhuma obrigação internacional ou contrarie normas oriundas do costume ou dos princípios gerais. Notadamente, a obrigação de cooperar não reflete com perfeição a prática internacional, uma vez que não parece haver um dever de cooperação com oponibilidade erga omnes de lege lata. Comissão de Direito Internacional [CDI]. Organização das Nações Unidas [ONU]. “Draft articles on Responsibility of States for Internationally Wrongful Acts, with commentaries”, Yearbook of the International Law Commission, Nova York, EUA, v. II, n. Parte II, p. 31-143, 2001. e Asteriti, Alessandra e Tams, Christian. op. cit, p. 95.

14 Talmon, Stefan,“The Duty Not to «Recognize as Lawful» a Situation Created by the Illegal Use of Force or Other Serious Breaches of a Jus Cogens Obligation: An Obligation without Real Substance?” em Tomuschat, Christian; e Thouvenin, Jean-Marc (comp.), The fundamental rules of the International Legal Order: jus cogens and obligations erga omnes, Amsterdam, Martinus Nijhoff, 2005, p. 110.

15 Comissão de Direito Internacional [CDI], “Draft articles…”, cit., par. 44-49.

16 Crawford, James, “State Responsibility…”, cit, p. 346. O dever de não-reconhecimento encontra respaldo em uma série de casos mencionados pelos comentários da CDI aos DARS. Por exemplo, (i) o posicionamento da Assembleia da Liga das Nações por ocasião da ocupação da Manchúria, em que se afirmou o dever de todos os Estados de não reconhecer a ocupação territorial levada a cabo pelo uso da força; (ii) a Declaração de Princípios do Direito Internacional, a qual asseverou a mesma afirmativa; (iii) o posicionamento da CIJ no caso Military and Paramilitary Activities in and against Nicaragua frente a violação da integridade territorial nicaraguense; (iii) a Resolução 662 (1990) do Conselho de Segurança da ONU, a qual exortou os Estados a não reconhecerem a soberania iraquiana sobre o território do Kuwait, bem como considerem nulo o ato que levou a anexação. Outros exemplos relevantes são (i) o Tratado de não-agressão entre Estados americanos assinado no Rio de Janeiro em 1933; (ii) a Declaração sobre Direitos e Deveres dos Estados firmada em Montevidéu, também em 1933; (iii) a Declaração de Lima de 1938 e o preâmbulo da Convenção de Havana de 1940; (iv) o artigo 17 da Carta da Organização dos Estados Americanos; (v) O Ato Final de Helsinque de 1975; (vi) as Resoluções 2625,3314,36/103,42/22 da AGNU etc. Christakis, Théodore. “L’obligation de non-reconassaince…”, cit., p. 139.

17 A Resolução 2022 da AGNU, aprovada em 1965, em conjunção com as Resoluções 217 e 288 do CSNU, respectivamente de 1965 e 1970, ilustram o dever de não-assistência. A resolução da Assembleia concerne a declaração de independência unilateral da Rodésia do Sul em relação ao Reino Unido promovida por Ian Smith, a qual foi considerada ilegal. Dentre as obrigações exortadas pela resolução, cabe destaque à obrigação de não reconhecer nenhum governo não-representativo da maioria da população na Rodésia do Sul. Já as resoluções do CSNU impõem aos Estados a obrigação de não travar relações diplomáticas, não reconhecer a emissão de passaportes, retirar todas as representações diplomáticas, consulares e comerciais e negar o caráter legítimo de qualquer ato público praticado pela entidade governamental da Rodésia do Sul, bem como negá-la o status de membro de qualquer organização internacional. Crawford, James, “State Responsibility…”, cit, p. 382.

18 Moerenhout, ao examinar os assentamentos israelenses em território ocupado palestino, pondera sobre a possível utilização de boicotes comerciais por parte da União Europeia como meio de execução da obrigação de não-reconhecimento. Moerenhout, Tom, “The Consequence of the UN Resolution on Israeli Settlements for the EU: Stop Trade with Settlements”, Firenze, EJIL: Talk!, 4 de abril de 2017, disponível em: https://www.ejiltalk.org/the-consequence-of-the-un-settlements-resolution-for-the-eu-stop-trade-with-settlements/. Acesso em: 25 nov. 2020.

19 Aqui utiliza-se o conceito de ‘autoridade’ proposto por Bordin: “a afirmação de que certos textos normativos refletem, expressa ou implicitamente, o direito existente (lex lata)”. Bordin, Fernando Lusa, “Reflections of Customary International Law: the Authority of Codification Conventions and the ILC Draft Articles in International Law”, International and Comparative Law Quarterly, vol. 63, no. 3, 2014, p. 538.

20 Os Artigos sobre Responsabilidade contam com uma aceitação singular e bastante generalizada por parte dos Estados e dos Tribunais Internacionais. Não raramente sentenças da CIJ fazem menção àqueles, bem como Estados fundamentam suas práticas ou oferecem suas queixas em petições iniciais de acordo com o previsto nos Artigos. Sobre a efetividade das codificações produzidas pela CDI, ver: Bordin, Fernando Lusa, “Reflections...”, passim.

21 Talmon, Stefan, “The Duty…”, cit., p. 125.

22 Corte Internacional de Justiça [CIJ], Julgamento de 27 de junho de 1986, Military and Paramilitary Activities in and against Nicaragua, Nicarágua v Estados Unidos da América, Haia, Países Baixos, pp. 3-140, 27 jun. 1986, disponível em: https://www.icj-cij.org/public/files/case-related/70/070-19860627-JUD-01-00-EN.pdf. Acesso em: 13 nov. 2019, par. 188.

23 Pert, Alison. “The “Duty” of Non-recognition in Contemporary International Law: Issues and Uncertainties”, Legal Studies Research Paper no. 13/96, Sidney Law School, The University of Sidney, 2013, disponível em: http://ssrn.com/abstract=2368618, p. 17.

24 Corte Internacional de Justiça [CIJ]. Opinião Consultiva de 9 de julho de 2004. Legal Consequences of the Construction of a Wall in the Occupied Palestinian Territory, Haia, Países Baixos, pp. 3-71, 9 jul. 2004, disponível em: https://www.icj-cij.org/files/case-related/131/131-20040709-ADV-01-00-EN.pdf. Acesso em: 14 nov. 2019, par. 87.

25 Bordin pondera, contudo, que a decisão da Corte em não fazer referência explícita aos Artigos —com fundamento nas opiniões separadas dos Juízes Kooijmanns e Higgins— explica-se pela relutância daquela, em 2004, a utilizar a noção de ‘normas peremptórias’. Anos depois, contudo, a Corte afirmou a existência de tais normas na sentença do caso Armed Activities (República Democrática do Congo v. Ruanda). Bordin, Fernando Lusa, “Reflections…”, cit, p. 545.

26 Pert, Alison, “The “Duty…”, cit, p. 12.

27 Dentre outros, Índia, China, Mongólia e Serra Leoa. Assembleia Geral da ONU [AGNU]. 6o. Comitê [Jurídico]. Summary Record da 14a. reunião, UN Doc A/C.6/56/SR.14, 13 de novembro de 2001, pars. 3 e 54.

28 Pert, Alison. “The “Duty…”, cit., p. 13.

29 Ibidem, pp. 17 e 18.

30 Ibidem, p. 18.

31 Idem.

32 Não era, contudo, a primeira vez em que a Corte se deparava com um litígio cujo objeto era o exercício do mandato concedido à África do Sul pela Liga das Nações sobre o Sudoeste Africano. Em 1966, Libéria e Etiópia apresentaram petições iniciais à CIJ, na tentativa de denunciar o exercício ilegal do mandato, bem como o regime de apartheid estabelecido sobre a população negra. A Corte asseverou na decisão que, uma vez os direitos ameaçados pelo suposto exercício ilegal do mandato não estando sob titularidade dos Estados peticionários, ela estaria impossibilitada de julgar o caso – pois nessa hipótese permitiria “o equivalente a uma ‘actio popularis’, ou direito de qualquer membro de uma comunidade de agir judicialmente em defesa de um interesse público internacional.” A CIJ afirmou que, embora alguns sistemas municipais conhecessem aquele instrumento processual, ele definitivamente não existiria no Direito Internacional. O entendimento de que não existiriam obrigações dirigidas à comunidade internacional como um todo proveio, em grande medida, do consenso formado em torno do então presidente da CIJ, Sir Percy Spender, a qual sofreu severas objeções de outros juízes como Philip Jessup e Kotaro Tanaka. Corte Internacional de Justiça [CIJ]. Julgamento de 18 de julho de 1966. South West Africa cases, Etiópia e Libéria v. África do Sul, Haia, Países Baixos, pp. 3-55, 18 jul. 1966, disponível em: https://www.icj-cij.org/files/case-related/46/046-19660718-JUD-01-00-EN.pdf. Acesso em: 13 nov. 2019, passim.

33 Sobre o processo de desenvolvimento progressivo do direito da responsabilidade internacional pela CIJ, ver também: Tams, Christian; Tzanakopoulos, Antonios, “Barcelona Traction at 40: The ICJ as an Agent of Legal Development”, The Leiden Journal of International Law, vol. 23, ed. 4a., 2010, pp. 781-800, passim.

34 Conselho de Segurança da ONU [CSNU], S/RES/276, “Resolução 276”, 30 de janeiro de 1970, disponível em: http://unscr.com/en/resolutions/276.

35 Corte Internacional de Justiça [CIJ], Opinião Consultiva de 21 de junho de 1971. Legal Consequences for States of the Continued Presence of South Africa in Namibia (South West Africa) Notwithstanding Security Council Resolution 276, Haia, Países Baixos. pp. 3-54, 21 jun. 1971, disponível em: https://www.icj-cij.org/files/case-related/53/053-19710621-ADV-01-00-EN.pdf. Acesso em: 14 nov. 2019, par. 108.

36 Asteriti, Alessandra e Tams, Christian, “Erga omnes…”, op. cit., p. 99.

37 Corte Internacional de Justiça [CIJ]. Julgamento de 30 de junho de 1995. Case concerning East Timor, Portugal v. Australia, Haia, Países Baixos, pp. 3-54, 5 fev. 1970, disponível em: https://www.icj-cij.org/en/case/84. Acesso em: 13 nov. 2019, par. 18. O tratado produzia efeitos sobre o território do Timor Leste —a zona oriental da pequena ilha do Timor, ocupada pela Indonésia em 1975 após a conclusão do mandato colonial exercido por Portugal. Este último se manteve, contudo, nos termos da resolução 3485 da AGNU, como ‘Estado-administrador’ do território. Corte Internacional de Justiça [CIJ]. Julgamento de 30 de junho de 1995. Ibidem, par. 13.

38 Ibidem, par. 19.

39 Ibidem, par. 17.

40 A Austrália objetou à petição ao argumentar que o recurso de Portugal exigiria que a Corte adjudicasse sobre os direitos e obrigações de um Estado-terceiro, notadamente a Indonésia. Portugal refutou-a ao afirmar que o princípio Monetary Gold —formulado pela própria Corte em 1955 com o objetivo de proteger direitos de terceiros de adjudicação sem o seu consentimento— não se aplicaria ao caso, uma vez que, ao contrair as obrigações do Tratado de 1989, a Austrália teria infringido uma obrigação erga omnes —respeitar a auto determinação do povo do Timor Leste— e, por consequência, reconhecido um ato internacional ilícito praticado pela Indonésia, bem como a situação dele decorrente. Ao ponderar sobre o argumento português, a Corte afirmou que a o direito à autodeterminação, assim como a obrigação dele decorrente, teriam evidente caráter erga omnes. Entretanto, notou a diferença entre o exercício à jurisdição da Corte e a natureza erga omnes da obrigação motivadora do caso, de modo a afirmar que o exercício de sua jurisdição estaria comprometido até mesmo em casos concernentes a obrigações de oponibilidade geral quando um Estado detentor dos direitos sob adjudicação não fosse parte no caso. Nesse sentido, a Corte estaria impedida de exercer sua jurisdição uma vez que, para adjudicar sobre os atos cometidos pela Austrália contra a autodeterminação timorense e os direitos de Portugal como Estado administrador, seria necessário, invariavelmente, avaliar à legalidade da conduta da Indonésia sobre o território e, por consequência, o reconhecimento australiano de tal legalidade. Ibidem, pars. 16, 29 e 35.

41 Ibidem, par. 16.

42 Ibidem, par. 19.

43 Ainda existe uma carência de estudos relativos à aplicabilidade, ao conteúdo e à execução de uma obrigação de não-reconhecimento —e, porque não, dodever de cooperação— à violação de normas peremptórias outras, que não o direito à autodeterminação (por exemplo, a proibição ao genocídio, à escravidão, ao apartheid e à tortura).

44 Corte Internacional de Justiça [CIJ]. Opinião Consultiva de 9 de julho de 2004. Legal Consequences of the Construction of a Wall in the Occupied Palestinian Territory. Haia, Países Baixos. pp. 3-71, 9 jul. 2004, disponível em: https://www.icj-cij.org/files/case-related/131/131-20040709-ADV-01-00-EN.pdf. Acesso em: 14 nov. 2019, par. 14 e A Opinião foi requerida em contexto de intensa represália no CSNU e na AGNU contra os assentamentos israelenses levados adiante entre 1997 e 2003 em territórios palestinos e na região de Jerusalém Oriental. De antemão, em 20 de outubro de 2003, a AGNU expedira sua resolução ES 10/13, a qual exortava Israel a reverter a construção de um muro entre o suposto território israelense e o palestino – o qual se afastava da linha de fronteira traçada no Plano de Armistício de 1949. Ibidem, par. 21. Embora Israel tenha objetado à jurisdição, sustentando que jamais havia conferido à CIJ a competência para adjudicar sobre títulos territoriais, bem como que a disputa tinha caráter essencialmente político e impedia a resolução pacífica da controvérsia entre Israel e Palestina, a Corte julgou tais objeções improcedentes e incapazes de serem óbices ao exercício de sua jurisdição consultiva. Ibidem, par. 58 e 65.

45 Ibidem, par. 78.

46 Idem. Dentre outras, a Carta das Nações Unidas, as resoluções 26/25, 56/60 e 58/97 da AGNU, os Pactos Internacionais de Direitos Civis e Políticos e Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, a Quarta Convenção da Haia, a Quarta Convenção de Genebra e as resoluções 237, 446, 681 e 799 do CSNU.

47 Ibidem, par. 144-146.

48 “In this sense, The Wall can be seen not only as endorsing the ILC provisions on communitarian norms set out in ARSIWA Article 48 and at least envisaged as possible by Article 54, but also as going a step further in the development of the consequences of erga omnes obligations.” Crawford, James, “State Responsibility…”, op. cit., p. 348.

49 Talmon, Stefan, “The Duty…”, op. cit, p. 103.

50 Gareau, Jean-François, “Shouting at the wall: self-determination and the legal consequences of the construction of a wall in the occupied Palestinian Territory”, The Leiden Journal of International Law, vol. 18, no. 3, 2005, pp. 518 e 519.

51 Os territórios situados entre a Linha Verde… e a antiga fronteira oriental da Palestina sob o Mandato foram ocupados por Israel em 1967 durante o conflito armado entre Israel e Jordânia. De acordo com o direito internacional consuetudinário estes eram, portanto, territórios ocupados nos quais Israel tinha o status de Estado ocupante. Os acontecimentos subsequentes nestes territórios (...) nada contribuíram para alterar esta situação. Todos esses territórios (incluindo Jerusalém Oriental) permanecem territórios ocupados e Israel continua a ter o status de potência ocupante. Corte Internacional de Justiça [CIJ]. Opinião Consultiva de 9 de julho de 2004. Legal Consequences of the Construction of a Wall in the Occupied Palestinian Territory, Haia, Países Baixos, pp. 3-71, 9 jul. 2004, disponível em: https://www.icj-cij.org/files/case-related/131/131-20040709-ADV-01-00-EN.pdf. Acesso em: 14 nov. 2019, par. 78.

52 Assembleia Geral da ONU [AGNU]. Resolução A/RES-181 (II), UN Doc A/C.2/36/SR.54, 29 de novembro de 1947.

53 “The City of Jerusalem shall be established as a corpus separatum under a special international regime… the City of Jerusalem shall include the present municipality of Jerusalem plus the surrounding villages and towns, the most eastern of which shall be Abu Dis; the most southern, Bethlehem; the most western, Ein Karim (including also the built-up area of Motsa); and the most northern Shu’fat”. Idem.

54 A Assembleia Geral procedeu à organização de um Comitê ad hoc sobre a Palestina, composto por todos os Estados membros da ONU, para fazer uma proposta final. Em 25 de novembro de 1947, o Comitê ad hoc aprovou o plano majoritário do Comitê Especial para participar da união econômica. A votação foi de 25 a favor, 13 contra e 17 abstenções. Isso foi suficiente para a aprovação do Comitê, uma vez que apenas era necessária a maioria dos votos. No entanto, não seria suficiente para a Assembleia Geral, que precisava de dois terços dos votos. Porém, em 29 de novembro de 1947, a Assembleia Geral da ONU, na qual estavam representados os mesmos cinquenta e sete Estados, adotou o plano de divisão com a união econômica da Resolução 181, em uma votação de 33 votos a favor, 13 contra e 10 abstenções. Quigley, John, “The Statehood…”, op. cit., p. 92.

55 Hughes, David, “The United States Embassy in Jerusalem: does location matters?”, Questions of International Law, Nápoles, Itália, Zoom In, 31 de maio de 2018. Disponível em: http://www.qil-qdi.org/relocation-us-embassy-jerusalem-obligation-non-recognition-international-law/. Acesso em: 13 nov. 2019.

56 Assembleia Geral da ONU [AGNU]. Resolução A/RES-303 (IV), UN Doc A/C.1/38/SR.57, 9 de dezembro de 1949.

57 Em maio de 1967, o presidente egípcio Gamal Abdel Nasser, percebendo a perspectiva de um ataque israelense no território do Sinai, exigiu a retirada imediata da Força-Tarefa de Urgência da ONU da região e transferiu um número substancial de forças armadas egípcias para a cidade costeira de Sharm-el-Sheik, um ponto estratégico do território egípcio em função de sua proximidade do Canal de Suez. O então Secretário-Geral da ONU U Thant definiu que, uma vez tendo Israel categoricamente recusado a abrigar a força-tarefa em seu próprio território (embora tenha consentido com sua criação) a denúncia egípcia dos Tratados do Cairo —responsáveis por criar a Força— o deixaria sem escolhas senão ordenar a retirada da força-tarefa. Em face da escalada de tensão na região, Israel, em junho de 1967, atacou seus principais vizinhos árabes (Egito, Síria e Jordânia) e deu início à Guerra dos Seis Dias. Guillaume, Gilbert, Les grandes crises internationales et le droit, Paris, Éditions du Seuil, 1994, p. 163 e 164.

58 Hughes, David, “The United States Embassy…”, op. cit.

59 Guillaume, Gilbert, “Les grandes crises…, op. cit., p. 164.

60 Goldberg, Arthur, “What Resolution 242 really said”, American Foreign Policy Interests, vol. 33, 2011, p. 44.

61 Rosenne, Meir, “Understanding Security Council Resolution 242”, Jerusalem Center for Public Affairs, disponível em: https://jcpa.org/requirements-for-defensible-borders/security_coun cil_ resolution_242/. Acesso em 21 de novembro de 2019.

62 Israel. Basic Law: Jerusalem, capital of Israel, 1980, tradução não-oficial [em inglês] disponível em: www.knesset.gov.il/laws/special/eng/basic10_eng.htm.

63 Conselho de Segurança da Onu [CSNU]. Resolução 476. S/RES/476. 30 de junho de 1980, disponível em: https://unispal.un.org/UNIPAL.NSF/0/6DE6DA8A650B4C3B 852560DF00663826.

64 Idem.

65 Pertile, Marco e Faccio, Sondra, “What we talk about when we talk about Jerusalem: The duty of non-recognition and the prospects for peace after the US embassy’s relocation to the Holy City”, The Leiden Journal of International Law, vol. 33, no. 3, 2020, p. 7.

66 Arcari, Maurizio, “The relocation of the US embassy to Jerusalem and the obligation of non-recognition in international law”, Questions of International Law, Nápoles, Zoom In, 31 de maio de 2018, disponível em: http://www.qil-qdi.org/relocation-us-embassy-jerusalem-obligation-non-recognition-international-law/. Acesso em: 13 nov. 2019.

67 Idem.

68 Para um estudo comparativo e quantitativo da prática dos Estados em relação a transferência da embaixada no âmbito da AGNU e do CSNU, ver: Pertile, Marco e Faccio, Sondra, “What we talk about…”, op. cit, p. 9-22.

69 Arcari, Maurizio, “The relocation…”, op. cit.

70 “Coming back to our case, the fact that the US decision to relocate the embassy to Jerusalem has been censured by a substantive number of States in both the SC and the GA seems to leave little room for a formalistic reading of the obligation of non-recognition, based on the artificial distinction between the formal recognition of the legality of a situation and the factual endorsement of its material consequences”. Idem.

71 Castellarin, Emmanuel, “Le déplacement à Jérusalem de l’ambassade des Etats-Unis en Israël: questions autour de l’obligation de non-reconnaissance, Questions of International Law, Nápoles, Itália, Zoom In, 31 de maio 2018, disponível em: http://www.qil-qdi.org/forthco ming-6/. Acesso em: 17 nov. 2019.

72 O anúncio do rei Hussein da Jordânia pode ser lido em: http://www.kinghussein.gov.jo/88_july31.html.

73 Conforme Castellarin: “Adoptée (avec l’abstention des Etats-Unis) en réaction à l’adoption par Israël de la loi fondamentale déclarant Jérusalem capitale ‘une et indivisible’, elle ‘demande ... aux Etats qui ont établi des missions diplomatiques à Jérusalem de retirer ces missions de la Ville sainte’. A première vue, le pas-sage concerné pourrait exprimer une recommandation, ce qui refléterait la volonté du CS de ne pas faire usage de son pouvoir d’établir une obligation dans l’avis consultatif sur la Namibie la CIJ le déplacement de l’ambassade des Etats-Unis est incompatible avec la résolution 478 (1980)”. Castellarin, Emmanuel, “Le déplacement…”, op. cit.

74 Idem.

75 Ainda nos anos 1980, o anteprojeto da CDI contava com a previsão de que a obrigação de não-reconhecimento estaria submetida, mutatis mutandis, a procedimentos incorporados na Carta da ONU. No entanto, esta previsão inexiste nos Artigos aprovados em 2001. Talmon, Stefan, “The Duty…”, op. cit., p. 231.

76 Assembleia Geral da ONU [AGNU]. Resolução A/RES-181 (II), UN Doc A/C.2/36/SR.54, 29 de novembro de 1947.

77 Arcari, Maurizio, “The relocation…”, op. cit.

78 Idem.

79 Klein, Pierre, “Responsibility for Serious Breaches of Obligations Deriving from Peremptory Norms of International Law and United Nations Law”, The European Journal of International Law, vol. 13, no. 5, 2001, pp. 1241-1255.

80 Arcari, Maurizio, “The relocation…”, op. cit.

81 Gaja nota a discrepância entre as obrigações de não-reconhecimento oriundas da violação de normas peremptórias e de normas comuns em sua análise sobre a Opinião Consultiva de 2004 sobre o muro construído por Israel: “Obligations not to recognize a certain situation or not to render aid or assistance may exist independently from the commission of a serious breach. Moreover, Article 16 on State responsibility considers that, under certain conditions, “a State which aids or assists another State in the commission of an internationally wrongful act by the latter is internationally responsible for doing so”. However, it may conceivably occur that assistance would not per se be unlawful according to Article 16, for instance because it would not be intended to facilitate the commission of the internationally wrongful act. Even when aid or assistance would not otherwise be unlawful, Article 41, paragraph 2, on State responsibility sets forth certain obligations as the consequence of a serious breach. Clearly, these obligations are meaningful only when they do not overlap with obligations that are already existing irrespective of the serious breach” e ainda “These cases are likely to be limited. It has also to be noted that non-recognition of a situation as lawful is a legal consequence that appears to be appropriate only in relation to the breach of certain obligations”. Gaja, Giorgio, “The protection...”, op. cit, p. 134 e 135.

82 Castellarin, Emmanuel, “Le déplacement… ”, op. cit. Neste sentido, a chamada teoria ‘fiduciária’ do jus cogens – a qual argumenta que as normas peremptórias são consequenciais ao dever soberano do Estado em relação aos seus cidadãos - parece encontrar dificuldades ao não ser capaz de arquitetar uma relação causal entre a soberania de um Estado e as obrigações erga omnes sob sua titularidade as quais, contudo, não são consequência da violação do jus cogens ( por exemplo, a obrigação de não-reconhecimento insurgente após a transferência da embaixada). Criddle, Evan y Fox-Decent, Evan, “A Fiduciary Theory of Jus Cogens”, The Yale Journal of International Law, vol. 34, no. 2, 2009, pp. 331-387, passim.

83 ”La situation est inhabituelle: la non-reconnaissance a pour objet une reconnaissance. En d’autres termes, il s’agit d’un cas dans lequel l’obligation de non-reconnaissance joue à la fois comme norme secondaire (conséquence de la violation du jus cogens par Israël), comme norme primaire (violée par les Etats-Unis) et à nouveau comme norme secondaire (conséquence du fait illicite des Etats-Unis). Bien qu’en théorie la non-reconnaissance puisse faire l’objet d’une obligation primaire, dans la pratique internationale il s’agit essentiellement d’une norme secondaire, qui ne s’applique qu’en conséquence de la violation grave d’un sous-ensemble des normes primaires, les normes impératives. La non-reconnaissance du statut de Jérusalem établi per Israël enrichit la pratique déjà établie, alors que la non-reconnaissance des mesures états-uniennes entame une pratique nouvelle”. Castellarin, Emmanuel, “Le déplacement…”, op. cit.

84 Idem.

85 Idem.

86 A preocupação em relação ao conteúdo da obrigação de não-reconhecimento foi apresentada pelo Juiz Kooijmans da Corte Internacional, em sua opinião dissidente no caso The Wall. A distinção decorre de uma interpretação distinta dos acontecimentos relativos à construção do muro: enquanto Kooijmans interpretou aquela como um fato da realidade, a Corte a interpretou como uma reivindicação territorial —a qual ensejaria imediatamente a obrigação de não reconhecê-la nos termos dos DARS— sem, contudo, oferecer um conteúdo a ser executado por força da obrigação. Talmon, Stefan, “The Duty…”, op. cit., p. 127.

87 Castellarin, Emmanuel, “Le déplacement…”, op. cit.

88 Christakis oferece uma extensa descrição de exemplos anteriores os quais ilustram cada uma destas hipóteses. Christakis, Théodore, “L’obligation…”, op. cit., p. 231.

89 Lagerwall indica que, dada a relação causal entre a obrigação de não-reconhecimento e o princípio ex injuria jus non oritur, é antes a reivindicação legal (jus) baseada em uma violação (ex injuria) a qual deve ser considerada inválida e não reconhecida. No caso de Jerusalém, ela aponta que, primariamente, é a afirmação de Israel de que possui o título territorial sobre toda a cidade, bem como que esta é a sua capital, a qual não deve ser reconhecida. Todavia, o não-reconhecimento deve obrigatoriamente estender-se a manifestações secundárias de Estados-terceiros as quais corroboram para a perpertuação da violação, e. g. a afirmação dos EUA, pela declaração de 2017, que considera Jerusalém ‘una e indivisa’ como a capital de Israel. Lagerwall, Anne, “Non recognition of Jerusalem as Israel’s Capital: A Condition for International Law to Remain a Relevant Framework?”, Questions of International Law, Nápoles, Itália, Zoom In, 21 de julho de 2018, disponível em: http://www.qil-qdi.org/non-recognition-jerusalem-israels-capital-condition-international-law-remain-relevant-framework/. Acesso em: 13 nov. 2019.

90 Um questionamento possível diz respeito à possibilidade de que Estados-terceiros não- lesados pela transferência da embaixada adjudicassem demandas contra os EUA em nome de uma pretensa obrigação erga omnes de não-reconhecê-la. De Wet afirma que, para além da execução de contramedidas coletivas nos termos do artigo 54 dos DARS, a adjudicação na Corte Internacional é uma das formas de responder a violações de obrigações comunitárias. Resta saber se o mesmo é válido no caso de violações de normas comuns, e não de normas peremptórias — ou ainda, se a continuidade das relações diplomáticas com a missão dos EUA, ainda que indiretamente, auxilia ou perpetua a ocupação dos territórios por Israel em contraste com o jus cogens. De Wet, Erika, “Invoking Obligations Erga Omnes in the Twenty-First Century: Progressive Developments since Barcelona Traction”, South African Yearbook of International Law, vol. 38, no. 1, 2013, pp. 12-17.

91 No que concerne à duração da obrigação de não-reconhecimento, exemplos anteriores provam que sua eficácia é longeva: o não-reconhecimento da Rodésia perdurou por 15 anos, enquanto o da ocupação sul-africana sobre a Namíbia por 20. A República Turca do Norte do Chipre não foi reconhecida pelos últimos 36 anos, bem como a ocupação israelense de Jerusalém Oriental e das Colinas de Golã por 40. Enfim, o não-reconhecimento da ocupação soviética sobre as repúblicas bálticas perdurou por 51 anos. Talmon, Stefan, “The Duty…”, op. cit, p. 122.


* Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil; ORCID ID: https://orcid.org/0000-0001-6869-6663, romachadofranco@hotmail.com.